maldito transgressor

maldito transgressor
A hipnose é tão aconchegante...
O costume a inércia...
A responsabilidade em ser inteiro adormecida...
A verdade miando lá fora na chuva...
A Televisão que faz o tempo passar tão rápido e confortável...

Não ouço mais os gritos seus
Não ouço mais os gritos meus
Não ouço mais os gritos
Não ouço mais
Não ouço
Não
Ñ
~

HAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

domingo, 12 de junho de 2011

Insistir!

Quero aqui compartilhar uma coisa bem pessoal porque acho que tem total relação com o palhaço.
Vivo um momento de grandes questionamentos artísticos e decidi investir. Não investir em algo que me foi dito por algum grande mestre, porque mestre é o cachorro do bêbado, a flor do sertão, a criança do metrô, investir no que sei com a respiração da parte de trás da cabeça. Tem alguma coisa de força nisso, nessa teimosia de insistir em ser o que se é. Então eu finco estaca nessa terra dos artístas que me criaram. Valores de grandes poetas que me embalaram assim porque foram também embalados por outros grandes poetas. E é isso que eu sou. E a maneira que encontrei pra demarcar esse território foi reafirmar sete momentos referênciais artísticos que resumem minha alma* e, ancorado neles, retomo essa escalada. Quanto mais alto, mais leve e maior é a paz de espírito pelo próprio rastro, aquele que se sabe. Subamos!


*









Depoimento de Eduardo Galeano na praça Catalunya









Das Vantagens de ser Bobo - Clarice Lispector


"O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir, tocar no mundo.


O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado

por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo, estou pensando”.

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de

sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas.

O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver.

O bobo parece nunca ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer.

Resultado: não funciona.

Chamado um técnico, a opinião deste era que o aparelho estava tão estragado que o concerto seria caríssimo: mais vale comprar outro.

Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e, portanto estar tranqüilo.

Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros.

Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu.

Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.

Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham a vida.

Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás,

não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro,

com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem

por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas.

É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca.

É que só o bobo é capaz de excesso de amor.

E só o amor faz o bobo."
 
 
 
 
O Guardador de Rebanhos - VIII - Num Meio-Dia de Fim de Primavera - Alberto Caeiro - Fernando Pessoa



Num meio-dia de fim de primavera

Tive um sonho como uma fotografia.

Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte

Tornado outra vez menino,

A correr e a rolar-se pela erva

E a arrancar flores para as deitar fora

E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.

Era nosso demais para fingir

De segunda pessoa da Trindade.

No céu era tudo falso, tudo em desacordo

Com flores e árvores e pedras.

No céu tinha que estar sempre sério

E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer

Com uma coroa toda à roda de espinhos

E os pés espetados por um prego com cabeça,

E até com um trapo à roda da cintura

Como os pretos nas ilustrações.

Nem sequer o deixavam ter pai e mãe

Como as outras crianças.

O seu pai era duas pessoas

Um velho chamado José, que era carpinteiro,

E que não era pai dele;

E o outro pai era uma pomba estúpida,

A única pomba feia do mundo

Porque não era do mundo nem era pomba.

E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.



Não era mulher: era uma mala

Em que ele tinha vindo do céu.

E queriam que ele, que só nascera da mãe,

E nunca tivera pai para amar com respeito,

Pregasse a bondade e a justiça!



Um dia que Deus estava a dormir

E o Espírito Santo andava a voar,

Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.

Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.

Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu

E serve de modelo às outras.

Depois fugiu para o sol

E desceu pelo primeiro raio que apanhou.



Hoje vive na minha aldeia comigo.

É uma criança bonita de riso e natural.

Limpa o nariz ao braço direito,

Chapinha nas poças de água,

Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.

Atira pedras aos burros,

Rouba a fruta dos pomares

E foge a chorar e a gritar dos cães.

E, porque sabe que elas não gostam

E que toda a gente acha graça,

Corre atrás das raparigas pelas estradas

Que vão em ranchos pela estradas

com as bilhas às cabeças

E levanta-lhes as saias.



A mim ensinou-me tudo.

Ensinou-me a olhar para as cousas.

Aponta-me todas as cousas que há nas flores.

Mostra-me como as pedras são engraçadas

Quando a gente as tem na mão

E olha devagar para elas.



Diz-me muito mal de Deus.

Diz que ele é um velho estúpido e doente,

Sempre a escarrar no chão

E a dizer indecências.

A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.

E o Espírito Santo coça-se com o bico

E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.

Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada

Das coisas que criou —

"Se é que ele as criou, do que duvido" —

"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,

Mas os seres não cantam nada.

Se cantassem seriam cantores.

Os seres existem e mais nada,

E por isso se chamam seres."

E depois, cansados de dizer mal de Deus,

O Menino Jesus adormece nos meus braços

e eu levo-o ao colo para casa.

.............................................................................

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.

Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.

Ele é o humano que é natural,

Ele é o divino que sorri e que brinca.

E por isso é que eu sei com toda a certeza

Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.



E a criança tão humana que é divina

É esta minha quotidiana vida de poeta,

E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,

E que o meu mínimo olhar

Me enche de sensação,

E o mais pequeno som, seja do que for,

Parece falar comigo.



A Criança Nova que habita onde vivo

Dá-me uma mão a mim

E a outra a tudo que existe

E assim vamos os três pelo caminho que houver,

Saltando e cantando e rindo

E gozando o nosso segredo comum

Que é o de saber por toda a parte

Que não há mistério no mundo

E que tudo vale a pena.



A Criança Eterna acompanha-me sempre.

A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.

O meu ouvido atento alegremente a todos os sons

São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.



Damo-nos tão bem um com o outro

Na companhia de tudo

Que nunca pensamos um no outro,

Mas vivemos juntos e dois

Com um acordo íntimo

Como a mão direita e a esquerda.



Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas

No degrau da porta de casa,

Graves como convém a um deus e a um poeta,

E como se cada pedra

Fosse todo um universo

E fosse por isso um grande perigo para ela

Deixá-la cair no chão.



Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens

E ele sorri, porque tudo é incrível.

Ri dos reis e dos que não são reis,

E tem pena de ouvir falar das guerras,

E dos comércios, e dos navios

Que ficam fumo no ar dos altos-mares.

Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer

E que anda com a luz do sol

A variar os montes e os vales,

E a fazer doer nos olhos os muros caiados.



Depois ele adormece e eu deito-o.

Levo-o ao colo para dentro de casa

E deito-o, despindo-o lentamente

E como seguindo um ritual muito limpo

E todo materno até ele estar nu.



Ele dorme dentro da minha alma

E às vezes acorda de noite

E brinca com os meus sonhos.

Vira uns de pernas para o ar,

Põe uns em cima dos outros

E bate as palmas sozinho

Sorrindo para o meu sono.

......................................................................

Quando eu morrer, filhinho,

Seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo

E leva-me para dentro da tua casa.

Despe o meu ser cansado e humano

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde,

Para eu tornar a adormecer.

E dá-me sonhos teus para eu brincar

Até que nasça qualquer dia

Que tu sabes qual é.

.....................................................................

Esta é a história do meu Menino Jesus.

Por que razão que se perceba

Não há de ser ela mais verdadeira

Que tudo quanto os filósofos pensam

E tudo quanto as religiões ensinam?






Uma Didática da Invençãodo "O Livro das Ignorãnças" ed. Civilização Brasileira. - Manuel de Barros




Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:



a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca

b) 0 modo como as violetas preparam o dia para morrer

c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos

d) Se o homem que toca de tarde sua existêncianum fagote, tem salvação

e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos

f) Como pegar na voz de um peixe

g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.Etc.etc.etc.



Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.






Poema do poeta Inglês William Ernest Henley (1849-1903).  Comentário do Mandela


De dentro da noite que me cobre,


Negra como a cova, de ponta a ponta,

Eu agradeço a quaisquer deuses que sejam,

Pela minha alma inconquistável.



Na cruel garra da situação,

Não estremeci, nem gritei em voz alta.

Sob a pancada do acaso,

Minha cabeça está ensanguentada, mas não curvada.



Além deste lugar de ira e lágrimas

Avulta-se apenas o Horror das sombras.

E apesar da ameaça dos anos,

Encontra-me, e me encontrará destemido.



Não importa quão estreito o portal,

Quão carregada de punições a lista,

Sou o mestre do meu destino:

Sou o capitão da minha alma.




“Nosso medo mais profundo

não é o de sermos inadequados.

Nosso medo mais profundo

é que somos poderosos além de qualquer medida.

É a nossa luz, não as nossas trevas,

o que mais nos apavora.

Nós nos perguntamos:
Quem sou eu para ser Brilhante,

Maravilhoso, Talentoso e Fabuloso?

Na realidade, quem é você para não ser?
Você é filho do Universo.

Se fazer pequeno não ajuda o mundo.

Não há iluminação em se encolher,

para que os outros não se sintam inseguros

quando estão perto de você.

Nascemos para manifestar

a glória do Universo que está dentro de nós.

Não está apenas em um de nós: está em todos nós.

E conforme deixamos nossa própria luz brilhar,

inconscientemente damos às outras pessoas

permissão para fazer o mesmo.

E conforme nos libertamos do nosso medo,

nossa presença, automaticamente, libera os outros.”

Mandela.









A Alvorada Do Amor (Olavo Bilac) - 1965



Um horror, grande e mudo, um silêncio profundo


No dia do Pecado amortalhava o mundo.

E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo

Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,

Disse:

***************************

Chega-te a mim! entra no meu amor,

E e à minha carne entrega a tua carne em flor!

Preme contra o meu peito o teu seio agitado,

E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!

Abençôo o teu crime, acolho o teu desgôsto,

Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

***********************

Vê tudo nos repele! a tôda a criação

Sacode o mesmo horror e a mesma indignação...

A cólera de Deus torce as árvores, cresta

Como um tufão de fogo o seio da floresta,

Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;

As estrêlas estão cheias de calefrios;

Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...

**********************

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,

Sôbre a tua nudez a cabeleira! Vamos!

Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;

Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;

Surjam feras a uivar de todos os caminhos;

E, vendo-te a sangrar das urzes através,

Se amaranhem no chão as serpes aos teus pés...

Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,

Ilumina o degrêdo e perfuma o deserto!

Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,

Levo tudo, levando o teu corpo querido!

*****************************

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:

Tudo renascerá cantando ao teu olhar,

Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,

Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!

Rosas te brotarão da bôca, se cantares!

Rios te correrão dos olhos, se chorares!

E se, em tôrno ao teu corpo encantador e nú,

Tudo morrer, que importa? A natureza és tu,

Agora que és mulher, agora que pecaste!

Ah! bendito o momento em que me revelaste

O amor com teu pecado, e a vida com o teu crime!

Porque, livre de Deus, redimido e sublime,

Homem fico na terra, luz dos olhos teus,

Terra, melhor que o Céu! homem maior que Deus!

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