maldito transgressor

maldito transgressor
A hipnose é tão aconchegante...
O costume a inércia...
A responsabilidade em ser inteiro adormecida...
A verdade miando lá fora na chuva...
A Televisão que faz o tempo passar tão rápido e confortável...

Não ouço mais os gritos seus
Não ouço mais os gritos meus
Não ouço mais os gritos
Não ouço mais
Não ouço
Não
Ñ
~

HAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

ARTE

Arte e síntese
Arte não é só "fazer": é também esperar. Quando o veio seca, nada melhor para o artista que oferecer a face aos ventos, e viver, pois só da vida lhe poderão advir novos motivos para criar. Nada pode resultar mais esterilizante que o encontro de uma síntese, se ela não for, como na vida, a conseqüência de uma análise que se retoma a partir dela. Encontrar uma fórmula é, sem dúvida, uma forma de realização; mas comprazer-se nela e ficar a aplicá-la indefinidamente, porque agradou, ou compensou, constitui a meu ver uma falta de caráter artístico. Como nas ciências positivas, o encontro de uma síntese deve ser o ponto de partida para a busca de outra, e assim por diante, até o encontro dessa grande e única verdadeira síntese que é a morte. E nesse particular eu considero Picasso o maior artista dos nossos tempos.

Picasso é como o câncer às avessas. Sua arte múltipla e prolífica representa uma tremenda afirmação de vida, pois o grande andaluz reformula-se constantemente, até quando varia sobre o mesmo tema. O quadro é para ele como um abismo onde se lança de cabeça, e que uma vez possuído, repele-o fora, como uma mulher violentada. Porque Picasso é dos poucos artistas de qualquer época a quem o abismo teme. O abismo teme esse louco saltimbanco que se atira no vácuo da tela sem saber se vai voltar - e volta sempre. De quantos mais, no nosso século, se pode dizer o mesmo?

Arte é afirmação de vida, em que pese isto aos mórbidos. Afirmação de vida nesse sentido que a vida é a soma de todas as suas grandezas e podridões: um profundo silo onde se misturam alimentos e excrementos, e do qual o artista extrai a sua ração diária de energias, sonhos e perplexidades: a sua vitalidade inconsciente. Tome-se Villa-Lobos, por exemplo. Villa-Lobos é um caudal que se precipita arrastando tudo o que encontra em seu caminho, troncos floridos e paus pobres, ninféias e cadáveres; e, uma vez represado, harmoniza os elementos antagônicos dessa rica contextura em música, seja da maior tranqüilidade, seja do maior tormento - pois tudo faz parte da vida. Como admirar, assim, o artista que se recusa a comer dessa mistura, que desinfeta as mãos para tocá-la, que vive a tomar leite para não se envenenar com suas tintas?

A arte não ama os covardes: e essa afirmação não pode ser mais antifascista. A arte, há que domá-la como a um miúra: e para tanto é preciso viver sem medo. Não a coragem idiota dos que se arriscam desnecessariamente, em franco desrespeito a esse terrível postulado da vida, que ordena uma preservação constante, de maneira a se estar sempre apto para os seus grandes momentos. Esse foi, a meu ver, o pecado maior de Hemingway, e a loucura maior de Rimbaud, que resultou, num, numa morte simulada, temporã, que se antecipou à grande síntese; no outro, numa evasão total, numa recusa pânica a ver o fundo do abismo. Isto sem prejuízo da arte, que ambos exerceram, cada um a seu modo, com gênio e responsabilidade; mas não o gênio e a responsabilidade de um Tolstoi ou de um Picasso. E aí é que está a questão.

É evidente que nenhum prazer poderá jamais substituir uma relação sexual de amor. E é isso o que irrita em certos artistas: eles acabam por se safisfazer solitariamente. Não são capazes, depois de encontrar a síntese, de jogá-la aos peixes, como faz Picasso diariamente, e sair para outra - e não por insatisfação pura e simples: porque sabe intuitivamente que quem acha vive se perdendo, como filosofou Noel Rosa. O negócio é a busca. Aí que a vida incute.

Eu conheço artistas que não se dão mais sequer o trabalho de mergulhar no que fazem, no ato de criar. Trabalham mecanicamente, a partir de um métier adquirido, e elaboram sua obra dentro de esquemas predeterminados por uma síntese atingida. E ficam jogando boxe com a sombra, justificando-se de sua impotência criadora com a auto-satisfação do próprio virtuosismo; aparentemente vaidoso de sua rigidez temática, mas no fundo sabendo que se encontram diante desse fatal impasse em que esbarram sempre os que se recusam às fontes mais generosas da vida e da criação.

Há amigos de Picasso, e a um eu conheci, que o acusam de avarento. Mas certamente não com sua vida e sua arte. Já ouvi toda sorte de histórias a seu respeito: de que guarda a fortuna em casa, dentro de uma arca, e fica a contar e recontar moedas como um usurário de teatro. Histórias absurdas, evidentemente, para quem não deve ter a menor noção do valor do dinheiro; cujos guardanapos e toalhas, que ficava riscando à toa, eram disputados a tapa pelos garçons dos restaurantes onde comia em Cannes. Mas fosse isso verdade - esse horrível pecado que é a avareza - e não seria uma ínfima anomalia neurótica, desculpável, portanto, num homem que criou a maior obra de arte do seu século? Quem fez mais que ele, que revolucionou toda a estética da arte contemporânea e se colocou, chegando o momento, do único lado certo - aquele contra os inimigos do homem e da cultura?

Hoje, beirando os noventa, o velho minotauro, ainda sadio, ainda pintando, pode dizer: "Criei um mundo!" E não, bem certo, porque tivesse sido avaro com sua vida. Fecundou mulheres, teve filhos, fez amigos e discípulos por toda parte. Prodigalizou seu sêmen. Foi um homem.

Vinicius de Moraes




NIETZSCHE, A AFIRMAÇÃO DA VIDA POR MEIO DA TRAGÉDIA

Em 25 de agosto de 1900, morria prematuramente Friedrich Wilhem Nietzsche (1844-1900). Mais de cem anos depois, no entanto, podemos constatar que sua filosofia ainda exerce enorme poder sobre nossas vidas. Não é difícil entender tal fascínio.


Devemos todos nós a Nietzsche uma gratidão sem limites. Sem ele gerações se passariam ainda a insinuar timidamente o que ele afirmou com maestria, com ousadia e com loucura. É a partir dele que foi possível a criação e que a obra de arte pode existir. Eis porque considero a doutrina de Nietzsche como o prefácio, poder-se-ia mesmo dizer prefácio a toda dramaturgia futura. Parece, anacronicamente, que sua obra inteira se encontra subentendida na de um Shakespeare, de um Beethoven, de um Miguel Ângelo.[1]


As propostas de Marx e Nietzsche situam-se nos extremos de ambições similares, como observa Antônio Cândido (1987, p.5): se o primeiro ensaiava transmudar os valores sociais no âmbito da coletividade, o segundo imprimia uma transmutação do ângulo psicológico do homem, determinado pela espécie e processado pela civilização. São atitudes que se completam, uma vez que não é suficiente rejeitar a herança burguesa ao nível da produção e das ideologias, mas, como fez Nietzsche (“psicólogo artista”), é preciso escavar o subsolo pessoal do homem moderno, iluminando-o enquanto indivíduo, “revolvendo as convenções que a ele se incorporam, e sobre as quais assenta a sua mentalidade”.

Sim, extremo limite do individualismo, a criação como um fenômeno humano por meio da arte, a transmutação de todos os valores… Comecemos com seu embate com Sócrates.

Nietzsche examina o fenômeno estranho que constitui a chave da alma de Sócrates, chamada por ele mesmo de o seu demônio. Nele, a sabedoria instintiva só se manifesta para se opor ao pensamento consciente: “Enquanto em todos os homens produtivos o instinto é precisamente a força criadora-afirmativa e a consciência se porta como crítica e dissuasiva, em Sócrates é o instinto que se torna crítico e a consciência criadora (uma verdadeira monstruosidade per defectum!)”. (NIETZSCHE, 1987b, p.12).

Antes de Sócrates, as “maneiras dialéticas” eram proscritas pela boa sociedade, tidas como inconvenientes, observa Nietzsche (1984, p.17-23). Os que, eventualmente, apresentassem suas razões por meio dela eram examinados com uma natural desconfiança: “o que precisa ser demonstrado para ser crido não vale grande coisa”. O “velho feitio”, aos poucos, desaparecia, ninguém era mais senhor de si mesmo, os instintos se revolviam uns contra os outros. Ele, Sócrates, fascinava como dominador de todos os seus “vícios e maus desejos”. Fascinava “como resposta, como solução, como aparência do tratamento que visava a cura indicada em tais casos”. O racionalismo tornou-se forçoso como remédio e, diante disto, não é pequeno o perigo de que outra força nos tiranize: ou sucumbir ou ser absolutamente racional. Neste contexto, qualquer concessão aos instintos e ao inconsciente nos rebaixa.

A degenerescência da filosofia, segundo Nietzsche, aparece nitidamente com Sócrates. Ele inventou a metafísica quando faz da vida“qualquer coisa que deve ser julgada, medida, limitada, e do pensamento [...] um limite, que exerce em nome de valores então considerados superiores (o Divino, o verdadeiro, o Belo, o Bem...” Ora, a própria dialética prolonga este passe de prestidigitador, na medida em que nos convida a recuperar propriedades alienadas. Tudo retorna ao espírito, no processo dialético.

O dionisíaco é a instauração de uma nova existência. Nossa plenitude, com a qual transfiguramos as coisas e a preenchemos de nossa própria alegria de viver. Sim, alegria de viver, apesar do sofrimento:


O profundo grego, extraordinariamente suscetível como ninguém ao mais terrível e ao mais severo sofrimento, consola-se olhando frontalmente para a terrível destrutividade da chamada história do mundo, assim como para a crueldade da natureza, e está em perigo de ansiar por uma negação budista da Vontade. A arte resgata-o, porém, e através da arte a vida. (HOLLINRAKE, 1986, p.216).


José Miguel Wisnik (1987, p.219) observa a dificuldade de tal compreensão: como que uma disposição radicalmente trágica pode dar origem a um posicionamento afirmativo. Sim, por vezes sinto tal incompreensão ao afirmar que tragédia é afirmação da vida, bem como o único sentido da felicidade. O poder da liberdade dionisíaca suscita a transfiguração que garante seu lugar no eterno retorno.

Podemos considerar o eterno retorno, conforme Deleuze (1944, p.77), apesar das premissas antigas, como uma descoberta nietzscheana. Não se encontrava nos antigos, Nietzsche bem o sabia, nem na Grécia, nem no Oriente, a não ser de uma maneira parcelar e incerta, num sentido completamente diverso. O segredo de Nietzsche é que o eterno retorno é seletivo, isto é, não é simplesmente um ciclo, num retorno do todo, num retorno do mesmo, num retorno ao mesmo. Eis a doutrina nietzscheana: “Vive de tal maneira que devas desejar reviver, é o dever (porque tu reviverás, de qualquer modo! [...] Mas que saiba bem para onde vai a sua preferência e que não recue diante de nenhum meio! Aí está a eternidade!”

A crítica nietzscheana à metafísica tem dois sentidos: o ontológico e o moral. Já nos referimos, por alto, ao combate empreendido por ele contra a teoria das idéias socrático-platônicas. Ao mesmo tempo, o filósofo do eterno retorno desenvolvera uma luta acirrada contra o cristianismo. Nietzsche chama-o platonismo para o povo e vulgarização da metafísica uma vez que o mundo terrestre é entendido como provisório e aparente, em detrimento do outro mundo, autêntico e verdadeiro. O cristianismo, como o platonismo, é uma forma acabada de subversão que, apoiada em dogmas e crenças impõe, como virtude, a resignação e a renúncia, negando a vida.

A questão não é a diferença do martírio, mas o sentido. No caso de Dionísio, a vida mesma, sua eterna fecundidade e retorno condicionam o tormento, a destruição. No outro caso, o cristão, o sofrer, o crucificado como inocente, vale como objeção contra esta vida, como fórmula de sua condenação. O homem trágico é forte na medida em que afirma o mais acerbo sofrer. O cristão nega até a sorte mais feliz sobre a terra. Se Dionísio é uma promessa de vida, “o deus na cruz é uma maldição sobre a vida, um dedo apontando para redimir-se dela”. (NIETZSCHE, 1987b, p.174).

A revolta dos escravos da moral, afirma Nietzsche (1987a, p.34), começa quando o próprio ressentimento se torna criador e chega a produzir valores: o ódio encontra compensação numa vingança imaginária. Se moral aristocrática “nasce de uma triunfal afirmação de si mesma”; a moral cristã inverte o golpe de vida afirmador: “opõe de início um ‘não’ a tudo que não é seu. Este ‘não’ é o seu ato criador.” O mundo exterior converte-se no ponto de partida dos valores, e não o mundo interior: a ação torna-se reação.

André Gide que abriu nossas reflexões fecha-as agora, sintetizando afinal o que queremos dizer: “Seria mais simples dizer que todo grande criador, todo afirmador da Vida é forçosamente um nietzscheano”. (MARTINS, 1965, p.4).



MANIFESTO PERFORMANCE ESSENCIAL

"No Teatro Essencial não há personagens. Há "persona", há "in-corporamento" das opções do próprio performer, à vista do público, na atualidade de sua performance. O gesto do performer corresponde a que ênfase deseja imprimir para distanciar-se do convite primordial dos corpos que é descansar na inércia, cair ao solo, juntar-se com a terra, parar."
 
Veja completo:
http://denisestoklos.uol.com.br/trabalhos/manifestos/performer-essencial.htm
 
 
 
 
Richard Bach
 
"Não gosto nada de escrever. Se conseguir dar as costas a
uma idéia, deixando-a miando lá fora no escuro, sem lhe abrir a porta, então
nem pego no lápis. Mas de vez em quando, em vez do miado, ouço uma grande
explosão, como de dinamite, de cacos de vidro e tijolos na parede da frente;
então, alguém passa por sobre os escombros e me agarra pelo pescoço, dizendo
calmamente: 'Não o largarei até que me ponha no papel, em palavras."

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