maldito transgressor

maldito transgressor
A hipnose é tão aconchegante...
O costume a inércia...
A responsabilidade em ser inteiro adormecida...
A verdade miando lá fora na chuva...
A Televisão que faz o tempo passar tão rápido e confortável...

Não ouço mais os gritos seus
Não ouço mais os gritos meus
Não ouço mais os gritos
Não ouço mais
Não ouço
Não
Ñ
~

HAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Um pouquinho de LUME sobre o Palhaço


LUME - O Lume é um dos mais conceituados centros de pesquisa teatral do Brasil. Desde sua criação vem se dedicando a elaborar e codificar técnicas corpóreas e vocais de representação, redimensionando o teatro enquanto ofício, como uma arte do fazer e o ator como um artesão que executa ações, entendendo técnica e criação como elementos inseparáveis. Buscar o “ser ator” através do princípio de se pesquisar o homem e suas relações, corpo e dimensão interior, via treinamento e representação. O ator entendido enquanto pessoa, enquanto filho de determinada cultura e enquanto profissional do palco. As origens do Lume, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Universidade Estadual de Campinas, repousam na experiência de Luís Otávio Burnier (1956 – 1995), especialmente em seus oito anos de treinamentos e pesquisas na Europa. Burnier estudou três anos com Etienne Decroux, criador da Mímica Corporal moderna e trabalhou com Eugenio Barba, Philippe Gaulier, Jacques Lecoq, Ives Lebreton, Jerzy Grotowski e com mestres do teatro oriental (Noh, Kabuki e Kathakali).Em 1985, Burnier iniciou o Lume juntamente com o ator Carlos Simioni e a musicista Denise Garcia; colaboração esta que se ampliou a partir de 1988, com a entrada do também ator Ricardo Puccetti. Em 1994, o Lume aumenta sua equipe de trabalho com a chegada de novos atores: Renato Ferracini, Raquel Scotti Hirson, Ana Cristina Colla, Jesser de Souza e desde 1998, Naomi Silman.



As setas longas do palhaço - Renato Ferracini

Um palhaço entra em cena e inicia a relação. O Estado Cênico (1) criado nesse momento é infinitamente complexo e todos os elementos que o constroem, podemos dizer, são indiscerníveis. Ele gera, então, uma zona de turbulência, ou poderíamos chamar,também, de zona de jogo, que abarca, num só espaço-tempo, outro e recriado, a atualização da relação poética palhaço-público. Essa relação turbulenta, geneticamente dinâmica, gera uma bolha lírico-poética altamente complexa, que se movimenta em continuum e se torna independente do espaço-tempo cotidiano, atualizando, poderíamos dizer, um espaço-tempo poético.

A isso chamamos de forma resumida, fenômeno teatral. Mas, claramente, não é somente o palhaço que é capaz dessa atualização poética. Atores, performers e dançarinos, obviamente também possuem essa capacidade de atualização. Mas, existiria alguma diferenciação na zona de turbulência gerada pelo palhaço e por outros artistas cênicos dentro dessa bolha lírica e dessa atualização espaço-temporal? Esse artigo busca, de uma forma bastante simplificada, fazer algumas ponderações sobre essa questão.

Poderíamos iniciar dizendo que essa zona de turbulência abrange, ao menos, uma dupla seta (cada ponta uma multiplicidade) dentro de um único vetor. Essas setas afetam o espectador ao mesmo tempo em que os espectadores afetam os atores.

SETA PARA FORA (AFETAR): na construção do corpo-subjétil (2), o ator deveria buscar a possibilidade de abertura das ações, matrizes (3)ou estados, recriando-os “para fora”, transbordando-os para o espaço e para o outro. No LUME, o trabalho pré-expressivo é realizado com esse intuito e alguns exercícios específicos como os Lançamentos e o Fora do Equilíbrio trabalham essa questão. Uma matriz ensimesmada, um estado “fechado” não é capaz de entrar em zona de turbulência. Se a ação não possuir essa seta pra fora, ela acaba permanecendo apenas no âmbito pessoal do ator e, dessa forma,não afeta o espectador. Muitas vezes vemos atores cujas ações físicas no palco parecem levá-lo a um estado de grande intensidade, mas uma intensidade alocada em um universo pessoal. Já presenciei a atuação de atores que até mesmo entram em estado de um suposto “arrebatamento” cênico, mas que não me afetam de forma alguma, nem me lançam em um estado de jogo, vizinhança e turbulência. Se uma matriz ou estado não possui essa seta para fora enquanto vetor de afetação, ela não gera um corpo-subjétil e o Estado Cênico não acontece.




SETA PARA DENTRO (SER AFETADO):em realidade, se o ator cria abertura para possibilidades de lançamento de suas matrizes e estados, de uma seta pra fora, se cria zonas de aberturas e porosidade de seu corpo-subjétil, essa mesma abertura dá ao corpo-subjétil a possibilidade de entrada, de ser afetado. É por isso que a zona de turbulência é uma seta dupla em um único vetor. A mesma porosidade que busca afetar, gera a possibilidade de ser afetado. Essa seta é, dentro do possível, segmentada. Quero dizer, com isso, que a seta do “ser afetado” pode ir de curta até muito longa, dependendo da proposta do espetáculo e da proposta de zona de turbulência que pretende criar o corpo-subjétil.

Explico-me com exemplos: nos espetáculos do LUME buscamos gerar uma zona de turbulência, que é variável conforme a proposta de cada espetáculo. Assim, um Cnossos (1995) ou um Kelbilim, o cão da divindade (1988) – que utilizam matrizes (estados e ações) bastante codificadas, com uma densidade muscular muito grande e, conseqüentemente, com um uso de energia extremada, tudo “amarrado” dentro de uma estrutura espetacular também codificada ao nível de micro ações e impulsos – gera-se zonas de turbulência que não se manifestam na macro mudança visível, nem das matrizes do corposubjétil nem na própria estrutura do espetáculo.Claro que existe uma zona de “ser afetado” no ator, pois há a zona de turbulência geneticamente dinâmica, mas ela acontece em um nível muito pequeno, como desvio de pequenos estados, micro mudanças de ritmos, micro alterações de densidades musculares, percebida, sim, tanto pelo ator quanto pelo público, mas não de maneira macroscópica no nível de matrizes e da estrutura espetacular. Poderíamos dizer que nesses espetáculos há uma seta curta de “ser afetado”. Saliento: dizer que há uma “seta curta de ser afetado” não significa dizer, em absoluto, que essa seta seja menos intensa. Setas curtas e longas não possuem qualquer diferença de grau de intensidade no nível das forças virtuais em relação à zona de turbulência, mas apenas diferenças de grau nas conseqüências de modificação no nível da percepção visível, tanto das matrizes, como da estrutura do espetáculo. Qualquer comprimento de seta será intenso dentro da zona de turbulência, mas no caso de uma seta curta as mudanças, as turbulências, são realizadas numa relação quase microscópica no corpo-subjétil do ator.



Nos espetáculos de palhaços ou clowns (4) temos uma zona de turbulência criada com setas longas de afetar e ser afetado, por dois grandes motivos: em primeiro lugar porque um espetáculo de palhaço é baseado, no nível das ações, em um estado de palhaço e não em matrizes codificadas, ao menos no nível de micro densidades e micro impulsos como em Cnossos(1995) e Kelbilim, o cão da divindade (1988). Não entrarei, aqui, em detalhes dos trabalhos que geram esse estado, pois isso pode ser encontrado em publicações anteriores, mas posso dizer que um estado de palhaço ou de clown (como preferirem!) é a ativação de todos os trabalhos anteriores de palhaço, desde todo o trabalho de iniciação até trabalhos mais técnicos que buscam, dentro desse estado inicial, gerar ações, ampliação dos estados iniciais, pesquisas de modos de relacionamento com o meio e com outros palhaços (5) Essa é uma característica do palhaço como trabalhamos dentro do LUME: ele trabalha com um estado, que o leva a agir dentro de uma lógica própria de relacionamento, gerando, portanto, uma zona de turbulência diretamente vinculada a essa lógica e a esse estado. Justamente essa zona de turbulência, gerada pelo próprio estado do corpo-subjétil (palhaço), é que determina suas ações físicas, que nascem a partir de sua relação com o espaço, com os objetos a seu redor, com os outros palhaços, com seu figurino e principalmente com o público. Claro que há uma codificação de macro ações durante todo o espetáculo, mas elas mesmas podem ser alteradas e modificadas pelas longas setas da zona de turbulência. Assim, dentro do estado de palhaço podemos mesmo criar novas ações e alterar as que já existem, pois as setas do “ser afetado” alcançam, inclusive, o nível das macro-ações. Em segundo lugar porque, mesmo que os espetáculos de palhaço tenham uma linha a ser seguida, ela não é absolutamente rígida, podendo ser rompida a qualquer instante desde que haja alguma relação de jogo com o espaço, com o outro palhaço ou mesmo com o público. A linha dramática desses espetáculos é porosa, fazendo com que o palhaço possa sair e entrar dela sempre que necessário.
Por isso, muitas vezes, a sensação de que trata de um espetáculo improvisado, ou de um espetáculo que contém muita improvisação.
Mas tomemos cuidado com essa “sensação” de improvisação. Um palhaço improvisa dentro desse estado e dessa zona de turbulência criada pelo próprio corpo-subjétil do ator-palhaço. O palhaço necessita de muito tempo de treinamento em sala, de relação com o público, de entendimento corpóreo de sua lógica de relacionamento com o universo ao seu redor. Todo esse trabalho gera ações físicas que serão repertoriadas pelo ator. Esse trabalho acumulado(tanto de vivências como de ações físicas) gera punctums na musculatura do corpo. Um estado de palhaço é a ativação de todos esses punctums em um corpo-subjétil aberto para novas ações físicas, e ao improviso com todo seu repertório dentro da zona de turbulência criada por esse mesmo estado de palhaço. E isso não vale apenas para o trabalho de palhaço, mas para todo o trabalho de ator.



Em outros espetáculos, como em Café com Queijo (1999), existem setas longas e curtas que se alternam dentro da zona de turbulência criada. Há momentos em que o espetáculo possui codificações absolutamente microscópicas, imprimindo setas curtas na zona de turbulência e outros em que trabalhamos apenas com os estados das matrizes e, portanto alongamos os segmentos das setas na zona de turbulência. Mas independente do tipo de codificação e do alongamento das setas de “ser afetado”, é importante colocar que um corpo-subjétil, ao mesmo tempo, cria, habita e é essa zona de turbulência, zona sem a qual o próprio corpo-subjétil seria inexistente.



A existência dessa zona de turbulência em dupla seta, além da necessidade da recriação de uma ação pela impossibilidade de sua mera repetição, acaba gerando uma grande instabilidade no Estado Cênico, fazendo com que um espetáculo nunca seja exatamente igual a outro, por mais absolutamente codificado e amarrado que ele seja. Todo acontecimento teatral é instável em vários níveis dentro de sua aparente estabilidade. Primeiro, uma instabilidade no nível da própria relação entre corpo-subjétil e corpo cotidiano, pois já que uma ação física ou matriz não será repetida mas recriada num continuum zigue-zague com os punctums, a serem ativados no corpo cotidiano, qualquer alteração do “estado momento” do corpo cotidiano (uma forte gripe, febre, um abalo emocional) pode afetar, mais ou menos, a recriação do corposubjétil. Afetando a recriação do corpo-subjétil, afetaremos a criação da própria zona de turbulência, gerando uma instabilidade em segundo nível no próprio corpo-subjétil, já que este cria, gera, afeta e é afetado pela zona de turbulência. Finalmente, essa zona de turbulência, criada e dependente do corpo-subjétil já instável realiza-se pela própria criação de instabilidade no acontecimento teatral, criando, em si, um terceiro nível de instabilidade. Assim, em um plano espetacular, o corpo-subjétil, ao mesmo tempo gera, habita e é definido pela própria zona de turbulência e possibilita o afetar e o ser afetado pelo espaço, pelo outro ator, e pelo público de uma maneira que jamais se repete. A zona de turbulência é uma zona de forças em relação gerando instabilidades em continuum. E o palhaço é mestre na criação e total implosão dessa zona, recriando-a e reconfigurando-a a todo instante, afinal...

E o palhaço o que é?
É ladrão de mulher.
E o palhaço o que foi?
Ladrão de boi.


1- Chamo de Estado Cênico o momento específico em que o ator se encontra na ação de atuação juntamente com o público e com todos os elementos que compõe a cena. Prefiro usar o termo “Estado Cênico” ao geralmente usado “Estado de Representação” ou ainda “Representação” pois acredito que o conceito de “representação”, mesmo não sendo usado nesse artigo dentro de um território filosófico, pode gerar distorções dentro da conceituação do trabalho do ator, já que esse termo possui uma carga conceitual histórica densa e pela massa enorme dessa carga pressionará, certamente, o conceito teatral de “representação” que, dentro do território teatral, pode ser simplesmente pensado enquanto atuação, ação de atuar. Mas devemos esclarecer que o ator não se coloca no lugar de algo, não representa algo.
Ele não é uma imagem imperfeita colocada no lugar de uma outra imagem. Ele não é, portanto, uma segunda presença que está no lugar de uma primeira presença que não está ali, seja de uma suposta personagem, seja de uma imagem, seja ainda de um estado emotivo. Na verdade, o ator cria uma ação
poética recriada a cada instante no momento em que atua, age em cena. Ele não se coloca no lugar de algo, mas cria um espaço único, uma ação única que gera um acontecimento também único.

2 - CORPO-SUBJÉTIL: um corpo-em-arte não pode ser conceituado como uma ponta de dualismo, mas como um corpo integrado e vetorial em relação ao corpo com comportamento cotidiano. Chamei, então, esse corpo integrado expandido como corpo-em-arte, esse corpo inserido no Estado Cênico, de corpo-subjétil. Subjétil seria, segundo Derrida, retomando uma suposta palavra inventada por Artaud, a palavra ou a coisa [que] pode tomar o lugar do sujeito ou do objeto, não é nem um, nem outro(Derrida & Bergstein, 1998, p. 23). Um subjétil não é um sujeito, muito menos o subjetivo, não é tampouco o objeto, mas exatamente o “quê”, e a questão do “quê” guarda um sentido no que concerne ao que está entre isto ou aquilo [...] (p. 38; grifo meu). Outra questão é que essa palavra subjétil pode, por semelhança, ser aproximada da palavra projétil, o que nos leva à imagem de projeção, para fora, um projétil que, lançado para fora, atinge o outro e, como ficará mais claro adiante, também se autoatinge. Essa aproximação pode ser realizada já que “subjétil” é uma palavra intraduzível, pois, como foi supostamente inventada por Artaud, não existe tradução possível em outras línguas. Corpo-subjétil: um corpo em Estado Cênico, um corpo em arte, pois encontra-se nesse “entre” objetividade – subjetividade, pois não é nem um nem outro exatamente, mas os perpassa pelo meio, englobando as duas pontas da polaridade e todos os outros pontos que passem por essas linhas opostas. Ele não é um ponto ou outro, uma linha ou outra, mas uma diagonal que atravessa esses pólos abstratos e todos os pontos e linhas “entre”. Em segundo lugar, porque esse “entre” do subjétil, agindo como um projétil, lança-se para fora para agrupar e incluir o outro, em um movimento que deveria ser natural no trabalho do ator. Portanto, o corpo-subjétil engloba e diagonaliza um espaço “entre” polaridades que se completam e uma ação que lança esse espaço “entre” para fora, numa relação dinâmica que é, intrinsecamente, o terreno do trabalho do ator.

3 - Dentro do âmbito de trabalho do LUME, podemos dizer que uma ação física e/ou vocal orgânica, pesquisada e codificada por um ator e que dinamiza seus campos intensivos potenciais, é chamada de “matriz”. Se procurarmos no dicionário Aurélio, encontraremos algumas das razões para essa palavra ter sido utilizada para definir uma ação física orgânica: “Matriz: lugar de onde se gera ou se cria; aquilo que é fonte, origem, base; útero”. Assim, a matriz é entendida como o material inicial, principal e primordial; é como a fonte de material do ator, à qual ele poderá recorrer, sempre que desejar, para a construção de qualquer trabalho cênico. A matriz é a própria ação física/vocal, viva e orgânica, codificada que pode ser recriada no momento do Estado Cênico. Dessa forma, cada ator possui um conjunto de matrizes, que se torna seu vocabulário vivo de comunicação cênica – seu vocabulário expressivo.

4 - Não entrarei aqui na tentativa, ao meu ver, hoje, infrutífera, de diferenciação conceitual entre palhaço e clown. Palhaço é clown, clown é palhaço e fim.

5 - Para saber mais sobre o processo de iniciação de palhaço e trabalhos técnicos posteriores, dentro da proposta do LUME, ver Burnier, 2001, principalmente o capítulo 8, “O Clown e a improvisação codificada”. Ver, também, em meu livro, A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator, o sub-capítulo “O clown”, a partir da página 217. Na Revista do LUME, n. 1, ver o artigo “O riso em três tempos”, de Ricardo Puccetti. Na Revista do LUME, n. 2, ver o artigo “Caiu na rede é riso”, também de Ricardo Puccetti, e na Revista do LUME, n. 3, o artigo “O clown através da máscara”, de Ricardo Puccetti.


Referências bibliográficas

BURNIER, L. O. A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
DERRIDA, J. & BERGSTEIN, L. Enlouquecer o subjéctil. Trad. de Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.




Papo de Aziz Gual com Ricardo Puccetti

Ricardo: A organização do Anjos do Picadeiro gostaria que a gente falasse um pouco sobre a importância de eventos desse tipo para os palhaços. Em sua experiência e em seu trabalho como palhaço - você teve a oportunidade de trabalhar em festivais de palhaço - o que pensa disso? O que aprende com eles? Pode falar um pouco sobre isso?


Aziz: As experiências em festivais de palhaço no México e na Europa foram muito determinantes porque eu compreendi que temos uma mesma maneira de ser, de viver nossa experiência. As fronteiras na linguagem do palhaço não existem, se convertem em uma mesma linguagem. Então as aspirações de palhaço profissional que buscamos é algo que sempre terá uma explicação semelhante nas pessoas que estão fazendo um trabalho sério e comprometido. Isso faz a reflexão esquentar e, às vezes, depois de terminado o encontro, pode-se chegar a um estado de análise filosófica. Então o Anjos é um encontro de pessoas que fazem esse caminho, esse trabalho, de uma maneira séria; pensam da mesma maneira o que é clown, uma linguagem do coração e da alma. Há um vínculo entre o coração e a alma. É um gênero que, de um ponto de vista, apresenta uma esperança. Mais além de uma revolução, mais além de uma política. E mais além do teatro. O palhaço é uma opção para sobreviver em um mundo com tantas crises distintas. Quando me encontro com palhaços em outros festivais posso entender, conversando com eles, que compartimos uma linguagem sem fronteiras.

Ricardo: Sim, como se compartilhássemos uma forma de ver o mundo. O palhaço vê o mundo de uma maneira distinta das outras pessoas, penso. Possibilita que a platéia, o público, também tenha essa oportunidade de ver outros ângulos, outras formas de relacionamento. Aproxima as pessoas.

Aziz: Sim, porque representa formas de aproximação de pessoas muito honestas. Não é a mesma distância do teatro. Teatro tem uma distância distinta. Já haviam dito que isso não é novo, é algo que já existe e só se pode descobrir uma nova personagem. Por isso não há realmente uma escola de palhaços, é apenas uma experiência de vida individual. Mas cada um descobre o mesmo. O mesmo já descobriram Charles Chaplin, The Grok, grandes clowns da história. Por exemplo, uma frase muito importante de Chaplin é “o riso é a distância mais curta entre duas pessoas.” Isso quer dizer que vamos além da linguagem. Não há limites.

Ricardo: É uma forma de encontro tão forte que não se vê em outras formas de artes. É impressionante porque é muito antigo. Uma forma que sobreviveu ao tempo, que tomou muitas maneiras de se manifestar. Você vê quantos tipos de palhaços distintos existem mas, você disse, o trabalho parte do coração. Há muitas maneiras, muitos caminhos distintos e pessoais de se fazer isso mas se busca a mesma coisa, não?

Aziz: Sim. Há a busca de tipos de risos, por exemplo. Talvez não seja tão fácil, mas é possível fazer. Acredito que o trabalho de clown é analisar como você quer que riam, que tipo de riso você quer. Essa é uma análise intelectual de importância na filosofia. Que tipo de riso e de espetáculo. Já não é a mecânica de fazer rir, mas como vou estabelecer um vínculo; é um trabalho xamânico. É um condutor de energia e, para mim, existem diferenças nesse momento em muitos tipos de trabalho porque se pode fazer com que, quando se quer, as pessoas te aplaudam ou você pode conduzir isso sempre com a esperança de que possa subir, possa se elevar, possa chegar na luz, possa fazer algo por dentro dessa abstração.


Ricardo: Nessa gradação do riso, do sorriso até a risada forte, há toda uma diversidade de possibilidades.

Aziz: Por isso eu prefiro não falar [no espetáculo]. Porque acredito que quando você não fala, retorna a possibilidade de chegar aonde cada um tem a energia, sua própria energia. Você conduz a energia, tratando de ver se há uma energia luminosa. Cada pessoa vai com essa energia, que é sua mesma.

Ricardo: Porque o palhaço, quando trabalha, está muito sensibilizado, muito aberto, muito perceptivo, muito emocionado também, muito disposto a encontrar a platéia. Porque trabalha para ela. Ele provoca o mesmo na platéia. Para mim isso é muito importante no mundo de hoje, quando o mundo está tão fragmentado, quando as pessoas não se tocam, são distantes. O palhaço abraça a todos. É uma espécie de comunhão.

Aziz: Porque o palhaço é a grande metáfora do ser. Quero dizer, o palhaço é o encontro de uma pessoa consigo mesma por uma questão muito simples: o palhaço é o que é, em suas circunstâncias. Igual a qualquer indivíduo que encontra a si mesmo. Quem sou? Quando se descobre quem se é, é a mesma resposta do que é um palhaço.

Ricardo: Muito interessante isso que você diz. Tenho que saber quem sou, mas é como se a cada vez eu tivesse que descobrir novamente quem sou, a cada nova função. Você sabe, mas quando entra é como se precisasse saber quem é hoje. O que trago do meu passado, o que vou aprender hoje, nesta circunstância, nesse espaço, com essa gente que veio para ver o palhaço.

Aziz: Da mesma maneira que a vida. Uma pessoa não é hoje o mesmo que foi ontem. Porque viveu outra experiência transformadora. E o clown tem uma experiência transformadora que é reveladora para si mesmo. Eu acredito que, além disso, o clown é também um caminho para se chegar a si mesmo, não só para chegar ao público, mas há o contato, a reação de uma relação maravilhosa, é o descobrimento de si mesmo, que pode surpreender.

Ricardo: De quem faz e de quem assiste também, porque é um canal em que as pessoas podem se encontrar. O que você pensa então do efeito do tempo, da vida, no trabalho do palhaço?

Aziz: Posso supor, é minha experiência, que se está sempre numa busca e que não se pode amadurecer muito cedo. No seu caminho tem que ter paciência, tem que saber o que está construindo. Penso que um palhaço pode terminar de constituir-se como um ser depois da metade da sua vida, depois dos 50 anos. O ser humano até os 20, 30 anos pensa em si mesmo. É uma etapa de egocentrismo. Depois dos 30 até os 45, 50, começa a pensar nos demais, começa a saber dos demais. Mas depois dos 50 você se deixa e deixa os outros, e começa a pensar em Deus, na filosofia. Deus: na verdade não estamos falando de um ente religioso, estamos falando de algo muito pessoal, uma experiência, que tem a ver com o ser humano. Então acredito que não se pode apressar o tempo. Digamos que nascêssemos outra vez com a experiência de um velho de 90 anos. Nascemos e depois seguimos vivendo e podemos nos tornar cada vez mais imaturos. Quando formos velhos, então já não importa. E seria muito interessante começar outra vez. Sem conhecimentos. Então o tempo é a experiência da capacidade de colher, desfrutar cada fragmento de tempo. De esmiuçar o tempo porque cada instante é fantástico e cada detalhe é sublime.

Ricardo: É fundamental. É um pouco como o palhaço. Com o tempo o palhaço se torna velho e criança ao mesmo tempo por ter essa capacidade de viver o momento. É um paradoxo interessante.

Aziz: E acredito que nossos mestres, mais que os mestres da técnica do clown, os melhores, são os velhos. Poder observar os velhos como o senhor homenageado desse ano, como se chama?

Ricardo: José Vasconcelos.

Aziz: Ver José Vasconcelos é entender algo. Mas ainda não sabemos porque temos um pecado que se chama juventude. Também ver os nossos filhos, você vai ver, é o mesmo. É descobrir.

Ricardo: Porque os velhos e as crianças são seres em sua plenitude. Porque a vida, a experiência molda um ser. E as crianças porque nascem com a potência, toda a potência, do que vão ser. Mas está tudo lá, concentrado.

Aziz: Por exemplo, as crianças têm os olhos perceptivos ao mundo, à vida, a cada coisa. Os velhos, às vezes, não vêem muito com os olhos. Mas vêem o ritmo, o tempo. São quase iguais, se movem de maneira muito parecida. O tempo é uma resposta para nós. Acredito que podemos ver, podemos supor, mas não vamos terminar de saber até que sejamos velhos.

Ricardo: E como é para você trabalhar com diferentes tipos de público? Como foi trabalhar com o público brasileiro, como é isso, fazer adaptações, perceber o público?

Aziz: É a minha primeira experiência no Brasil. Foi uma experiência mais de exploração, preocupada com a exploração do público. Passei os dias que estive aqui vendo as pessoas. Para tentar entender seu ritmo. Eu saí experimentando. Porque cada vez que vou a um país, tenho uma nova resposta, um novo caminho a vencer, um novo retorno. Ainda não entendo, não se entende tão rápido, você vai conhecendo as pessoas. Por isso é bom diminuir a distância para você poder comunicar. Mas os risos que se conseguem são muito diferentes e acho que isso tem a ver com a cultura. Surpreendem-se com coisas distintas. Por exemplo, no México é muito improvável que as pessoas consigam fazer tic-toc-toc tic-toc-toc [batucando no ar]. Você consegue, e de cinco, um não consegue fazer. Aqui qualquer criança, qualquer pessoa pode fazer o ritmo. Sem dúvida é um público muito generoso. Talvez o público no México não respeite tanto a arte do clown porque não há tantos, há menos. Agora estamos atravessando um momento que é como um atraso, mas está se regenerando. O circo está posto em voga agora. E nos damos conta de que este é um caminho de contra-cultura, de arte comunitária, de arte de rua. Então no México estão surgindo muitos jovens, mas ainda não há um respeito pelo trabalho para que venham velhos e falem do clown, não há um entendimento dessa arte. As pessoas do circo, os palhaços, ainda que sejam pessoas que tenham muitos ofícios e muita informação, ainda há muita ignorância, muita marginalidade cultural. Talvez de muitos deles eu nunca tenha ouvido falar. Sabem todas as rotinas clássicas e as fazem, mas têm outra dimensão e outra forma. Sinto que no Brasil, me dá essa impressão por ver as mesas, há uma discussão. Busca-se discernir. Mas isso é porque há uma parte da sociedade que se formou com educação, com respeito, sensibilidade, ambição estética e de conhecimento.

Ricardo: Poder refletir sobre o que se faz.

Aziz: Também é um problema social. Porque, no México, não interessa ao sistema que as pessoas tenham cultura, que pensem, que sejam.

Ricardo: Para mim, a tradição clássica do palhaço é uma paixão, uma fonte de inspiração onde vou beber sempre que posso. Depois, é claro, tem-se que encontrar uma maneira própria de fazer, com sua personalidade. Eu vejo um pouco disso no seu trabalho também. Há uma relação com a tradição, não?

Aziz: Esse espetáculo é um espetáculo com qualidades de palhaço tradicional. Todavia é um primeiro espetáculo que tem muitos anos e foi um caminho em que sempre descobri coisas de mim mesmo, apesar de ser um espetáculo com essa parafernália histórica, com muita maquiagem. A partir disso, por isso, no final eu retiro a máscara; os espetáculos seguintes são sem máscara. É um processo, o primeiro espetáculo tem a ver com o segundo e o segundo com o terceiro... e não só com a minha evolução como palhaço, mas também busco a experiência, a maneira de praticar o que se vai vendo.

Ricardo: Há algo de um antropólogo no palhaço, não?

Aziz: Completamente.

Ricardo: Porque entende as pessoas, entende as diferentes culturas, é muito observador. Pode-se ver isso em quase todos os palhaços. Faz parte de sua natureza.

Aziz: E sempre se busca algo para comprar em algum lugar, que tenha a ver com a música, que tenha a ver com a história. E que sempre é algo extraordinário.

Ricardo: É muito afetivo, o palhaço, não? Vê algo “ó, eu gosto”. Como as crianças. Bom, talvez para registro, você queira dizer algo...

Aziz: Claro. Para mim, estar no grande encontro Anjos do Picadeiro me enche de satisfação porque acredito que é o movimento mais completo e mais sério de clown na América Latina. É uma busca muito interessante porque não tem nenhum sentido comercial. É uma busca do palhaço na sua essência, do palhaço como função social, como gênero de contato social e comunicação e de qualquer coisa que possa chegar a ser muito perigosa. Muito perigosa porque as pessoas o querem. Começa então uma grande necessidade, começa-se a gerar isso. Acredito que para mim representa um convite a seguir falando no meu país para que isso possa gerar mais e possamos ser realmente um exército de gente dedicada à conscientização sobre a injustiça, a infelicidade, a desesperança de que tanto padecemos nos países de terceiro mundo, porque não se compartilham as coisas da mesma maneira e porque há falta de consciência social.

Ricardo: Foi um prazer para nós, palhaços brasileiros, você poder ter vindo porque o Anjos do Picadeiro, desde o início, foi um encontro de palhaços que gostariam de trocar, de se conhecer, de aprender. Esse ano são 10 anos de Anjos do Picadeiro e esta espécie de família de palhaços se manteve: os primeiros que participaram estão aqui hoje. Felizmente. Então para nós é um grande prazer e esperamos que volte sempre.

Aziz: Muito obrigado.
http://picadeiroquente.blogspot.com/








Teatro do Pé entrevista Ricardo                    

Luis Otávio Burnier, fundador do Lume, já falecido, afirmou : “O ator é, sobretudo e antes de mais nada, preparar seu corpo não para que ele diga, mas para que ele permita dizer”. Quando se fala em trabalho de ator o Lume, grupo surgido e sediado na Unicamp desde 1985, é referência internacional de técnicas preparatórias da arte de atuar, sempre conciliando o compromisso da pesquisa acadêmica com a busca pelo melho resultado artístico. Publicamos aqui a entrevista com Ricardo Puccetti realizada após a apresentação do espetáculo Kavka dentro da Mostra de Coletivos Teatrais do Sesc - Santos, que ficamos sabendo ser a estréia do espetáculo fora de Campinas.


Teatro do Pé - Há quanto tempo existe o Lume?
Ricardo Pucceti - O Lume nasceu em 1985. Então são 22 anos. Eu estou no Lume desde o final de 87, eu e o Simi (Carlos Simioni), que fomos do início. O Simi começou em 85 mesmo, e eu cheguei 2 anos depois. Quem fundou foi o Simi e o Luis (Otávio Luis Burnier). No início era uma coisa bem mais assim… muitos anos só trabalhando em sala, pesquisando. A idéia era de que fosse um espaço para entender e estudar o trabalho do ator. Mas com o tempo a gente foi virando isso, como ponto de partida, mas também viramos uma companhia como as outras. Então tem esses dois lados, por que nós também somos ligados à Unicamp. Por que o Luis, ele morreu quando a gente fez 10 anos. Então, antes dele morrer, a gente conversava que estávamos fechando um ciclo dos primeiros 10 anos. Que a gente tinha trabalhado muito em sala, pesquisando e construindo nossa base de trabalho, de treinamento, metodologia de criação de cenas e tal. E o ator especificamente, tirado da cena, o corpo dele, a voz dele, as potencialidades dele. E que iríamos começar então a pegar esse material e daí que teatro que vamos fazer né? Então nos próximos 12 anos a gente vem fazendo isso. Vem aprendendo e descobrindo a nossa maneira de fazer teatro.

Pé - Vocês são ao mesmo tempo um núcleo de pesquisa e são um grupo de teatro, e os dois com atividades igualmente intensas.
Ricardo - Exatamente! A gente trabalha muito, até por que a nossa sobrevivência enquanto grupo depende do mercado teatral. Por que a universidade ela nos dá a sede e a estrutura administrativa. Mas a sobrevivência dos atores, a produção dos espetáculos e tudo isso é através do mercado teatral. E sempre foi! Sempre foi muito interessante. A gente sempre gostou disso. Por um lado a gente tinha uma base muito boa que, raramente, grupos conseguem ter. Então temos a sede que é um espaço muito bom pra trabalhar.

Pé - E vocês têm uma cobrança teórica por parte da universidade?

Ricardo - Daí tem esse outro lado, que por estar ligado à Unicamp, e também porque o Luís ele tinha um pouco isso… ele queria ir para várias direções, não só o ator, o teatro, o ator no teatro, mas também a coisa didática. Como que a nossa experiência poderia servir como estímulo a outros. Não como método, ou como uma forma assim… mas como um catalisador, talvez, de pessoas com mais experiência, para outros com outras experiências, ou para pessoas mais jovens, para que pudessem descobrir o próprio trabalho. Então teve esse lado da didática. Sempre deu cursos e tal. E tem também esse lado de sempre refletir teoricamente, ou apenas refletir, sobre a nossa prática, e escrever e tal.

Pé - Vocês têm hoje uma série de linhas de pesquisa que estão, mais ou menos, emancipadas há uns 10 ou 12 anos.
Ricardo - É, então! Nesses dez primeiros anos agente abriu algumas linhas. E é claro que tem uma coisa… Na verdade, eu sou, talvez, o menos acadêmico de todos. Não é muito o meu interesse. Eu escrevo e tal, mas até o jeito de escrever é diferente. Então, as linhas de pesquisa, elas foram feitas para falarmos sobre o trabalho. Começamos a colocar… isso é dança pessoal, isso é não sei o que, todas as linhas, pra poder organizar o pensamento e pra passar tudo isso. No fundo, no fundo, tudo se mistura na prática. Quer dizer, um espetáculo como esse, por exemplo, tem tudo. Das linhas que tem nos livros, está tudo ai. Só que não está claramente. Na cara. Até porque os espetáculos da gente cada um tem uma cara diferente, tem estéticas diferentes. Então, todas essas técnicas, essas metodologias, elas não implicam numa estética única. Então você vê esse é uma coisa, você vê um espetáculo de palhaço é completamente diferente. Um de rua com músicas, você pega um butoh e mistura com palhaço, mistura com coisas de mimeses, e etc. Então são caras diferentes! Então, essa coisa dos rótulos, dos nomes, das linhas de pesquisa, servem pra gente explicar por onde a gente transita mais ou menos. Que tipo de ingredientes a gente mistura. Então eu já estou no Lume há 20 anos, o Simi há 22, os outros há 15 mais ou menos. Isso tudo, quando agente começa um trabalho, tudo se mistura. Você não fala, agora vou fazer dança pessoal pra fazer um personagem, e etc. Não é assim que funciona! Nunca teve essa coisa formal. Até muito se falou antes, principalmente no início, como a gente tinha esse discurso de que… ah.. vai pesquisar o ator e a técnica e etc, que nós éramos técnicos. Agente tem técnica, trabalha técnica, mas não é a técnica o que nos interessa. É como o sapateiro que precisa saber a técnica pra fazer o sapato, mas o que importa é o sapato. Se vai servir no pé dele, se estará confortável. Quer dizer, o que a gente faz com essa técnica para chegar no público. Pra dialogar com o público. Esse é o nosso interesse.





Pé - Como é o acesso à pesquisa do momento. Tanto teoricamente, como na prática?
Ricardo - Tem muitas maneiras! Algumas já estabelecidas, por exemplo… Publicamos uma revista, que é normalmente semestral, onde escrevemos sobre o que estamos fazendo, e principalmente sobre o que a gente fez imediatamente antes. A gente faz e depois reflete. Digamos! Então tem a revista, a nossa sede tem biblioteca, tem videoteca aberta ao público, é só ir lá. Funciona como um setor da universidade. Você vai lá em Barão Geraldo, em Campinas e, estejamos lá ou não, funciona do mesmo jeito. Os cursos são um outro modo de acesso. As orientações de trabalho para pessoas que nos procuram, grupos, atores, bailarinos, palhaços, pra que orientemos os trabalhos. E também tem estágios mais longos, diferentes do curso. Os estágios são assim, por exemplo… Eu já fiquei algumas vezes, nesses 20 anos, com grupos que eu permaneci junto entre 3 a 4 anos. E assim cada um de nós. No momento, por exemplo, o Jesser (Jesser de Souza), que veio aqui conduzir a vivência, está dirigindo um espetáculo de dois anos. A Cris (Ana Cristina Colla) que é uma outra atriz, ela dirigiu espetáculos com alunos no ano passado, e ainda continua trabalhando com eles. O Renato (Renato Ferracini) que é um outro que está orientando um trabalho de pesquisa, misturando atores e bailarinos, ele orientando, tem uma coreógrafa orientando. Um cara que é um argentino fazendo um trabalho com dramaturgia em cima desses materiais que eles estão criando. E isso vai virar um espetáculo também! Mas nem sempre esses estágios viram espetáculos, às vezes é pesquisa pura, é trabalho de ator, é treino…

Pé - O que é o espetáculo “Kavka”?
Ricardo - O Kavka é assim… Primeiro, eu posso dizer que cada espetáculo nosso vem, como eu falei no final… Hoje trabalhamos com repertório e temos em média 12 espetáculos, e o ponto de partida para cada um deles é um impulso, um desejo por parte de quem vai fazer. No caso aqui é o meu. Então o Kafka é um autor que eu leio desde que eu era adolescente, desde que eu tinha 15 anos. E depois que eu comecei a fazer teatro, depois de alguns anos… Eu sempre tive na cabeça que eu queria construir um espetáculo com as histórias dele e com a vida dele. Misturando um pouco a obra e vida! Ele também foi um personagem interessantíssimo. E a obra dele é basicamente autobiográfica. Não de uma maneira clara, mas, de uma maneira poética. Mas ele escrevia sobre ele, sobre as experiências dele. Talvez todos nós façamos isso enquanto artistas, e eu acredito nisso. Então eu tento no espetáculo, pegar o Kafka que é o Kafka, o Kafka literário, digamos, ele como as figuras da obra, e também me colocar dentro disso tudo ai. Então, por exemplo, como o ator que faz ações, e a busca que eu tenho, como ator, de encontrar a ação precisa… Ação pode ser tanto física como vocal… É como ele fazia para encontrar a palavra exata. Ele tinha uma grande obsessão de buscar aquela palavra! Tanto é que escrevia, queimava, e nunca parava de criar. E para ele, o que eu acho pessoalmente, o ato de estar fazendo, treinando, criando um espetáculo, e depois de estar apresentando, por que um espetáculo nunca para de se construir e se modificar, por que ele é essa relação com o público. Essa busca é o que me move enquanto ator. É como eu consigo me colocar no mundo, dizer coisas pro mundo, usando as palavras do Kafka.

Pé - Era a próxima pergunta… E por que montar? Aonde você acha que se comunica com uma platéia? Como você julga essa platéia contemporânea para receber esse grau de angústia?
Ricardo - Certo! Eu vou dizer, falando especificamente desse espetáculo, que é uma coisa que… Como é que está chegando e como o espetáculo se relaciona com o público é meio novo pra mim.

Pé - O espetáculo tem quanto tempo?
Ricardo - Estreou dia 26 de abril! Fizemos 12 apresentações em Campinas. A gente gosta de estrear por ali, jogar em casa primeiro, antes de sair. Então aqui é a primeira vez que a gente saiu. E a estréia num contexto completamente diferente, por que agente estreou lá num barracão, mais ou menos do tamanho desse palco todo (do Sesc Santos), e a platéia no caso ficavam em arquibancadas muito próximas do ator. Quando eu ia pra frente ficava à dois metros do público.

PÉ -O espetáculo tem uma proposta mais intimista?
Ricardo - A proposta é fazer qualquer espaço! Por que, por exemplo, ele tem muitas nuances de voz. Então eu não preciso estar projetando a voz pra um espaço muito grande. Eu posso fazer muito pequeno, muito sutil, tudo mais delicado. Mas eu pessoalmente gosto de ter essa possibilidade de fazer para vários espaços, por que eu também sou palhaço. Basicamente o meu trabalho é com palhaço. E palhaço tem que fazer circo, rua, teatro grande, teatro pequeno, pra criança, e etc. Então foi pra mim, como você diz essa angústia… Eu acho que tem uma angústia, mas tem uma força de vida muito grande no Kafka pessoa, e no Kafka obra, escrito. Por que ele tinha um olho sobre o mundo, ele via o que estava acontecendo no mundo. Como se quase profeticamente ele conseguisse perceber, naquele início de século, pois ele morreu jovem, e ele conseguia ver no desenrolar das relações das pessoas, nas relações da sociedade, ele conseguia colocar em imagens o que foi acontecendo, sabe? A segunda guerra, a perseguição aos Judeus, pois ele era judeu, essa mecanização do ser humano, essa homogeneização, essa desvalorização do indivíduo, essa massificação, tudo isso acontecendo ali. E ele testemunhando, meio como que um pára-raio e botando na obra de uma maneira linda. Por que não é chato! Ele é extremamente criativo.

Pé - Quando li “Cem anos de solidão”, eu pensei: Eu quero fazer isso que esse cara faz. E Gabriel Garcia Marques, quando leu o Kafka, falou: Eu quero fazer isso que esse cara faz! E justamente no trecho que você citou hoje, que eu acho que é um dos melhores começos de Gregor Samsa é quando ele acordou e ele era uma barata. E esteticamente, como é o Kafka pra você?Ricardo - Bom, pra mim ele era expressionista, eu acho! É uma coisa de sombras que tem a haver com o lugar onde ele vivia. Em Praga daquela época, na Tchekoslovakia, na verdade era parte de um império austro-húngaro, não era independente, era uma cidade sombria, cinza, um inverno massacrante, as igrejas góticas, as ruelas… então ele era um ser noturno! Ele não dormia. O Kafka tinha uma insônia terrível e ele não dormia. Ele também escrevia a noite. Ele tinha quase que duas vidas, durante o dia era funcionário de uma companhia de seguros, extremamente formal, e de noite era o período que ele escrevia. Insônia brava, de sonhar e ter pesadelo acordado. Ele diz na biografia, e se fala sobre ele, por isso que eu imagino que o que ele colocou no papel era o que ele vivia nessas noites no quarto dele. Então a idéia segue por ai, um quarto esteticamente meio estilizado, que é um quarto/escritório, em que ele está ali vivendo, e a tuberculose lhe atacando… E uma coisa que eu ia falar antes, sobre o porque eu acho isso interessante… eu acho que o nosso mundo hoje foi cada vez mais por esse lado que ele viu lá, onde o indivíduo já não tem muito mais… Onde agente tem que ser igual. As pessoas têm que pensar igual, se vestir igual, serem iguais. E o Kafka, pessoalmente, o que ele fez a vida toda foi explorar e tentar desenvolver um potencial que ele tinha, que era o escrever. Então essa angústia dele era por isso. Por que ele conseguia, não conseguia. Por que ele se via nesse mundo, que pedia outras coisas pra ele, mas ele queria…

Pé - Ele faz um elogio à individualidade! É único…
Ricardo - É! E é essa busca dos potenciais. Por que agente é diferente! É, um pouco, de falar sobre as diferenças.

Pé - É até uma das bases do Lume!
Ricardo - Exatamente! É um das bases do Lume. Ele vai no ator, e eu sou de um jeito, o outro é do outro, e não tem um caminho, uma fórmula que vai servir para todos.

PÉ - Uma curiosidade! O que é a dilatação do ator?
Ricardo - A dilatação? Eu, por exemplo, quando estou atuando não estou de uma maneira que eu estou no cotidiano. Nem agora, que eu estou conversando com vocês, não estou normal. Eu já estou falando bastante! E eu não sou assim… Eu sou tímido, quieto, não falo muito. Então a dilatação é o ator seguir regras aqui no palco que não são as mesmas do cotidiano. Então, por exemplo, você vai parar, no cotidiano você para relaxado, aqui no palco você para diferente. Então você utilizar, por exemplo, um princípio técnico de um certo desequilíbrio, já cria uma certa impressão em quem está vendo. Só o fato de você fazer isso, essa presença cresce e é percebida de outras maneiras, não só racionalmente. Mas também visualmente, energeticamente. Essa palavra que é difícil, mas existe. Então é um pouco isso… É você ter um corpo que siga, que é um corpo artificial… Você não anda desse jeito, você não faz desse jeito, tem uma tensão, tem todo um trabalho de coluna, de abdômen, pra te dar uma carga diferente. Então a dilatação é mais ou menos isso!
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Outra Entrevista com o Ric

Conversamos com o ator Ricardo Puccetti (45 anos), Palhaço do Teatro Lume e professor de Palhaços. Atua na área desde 1984 e é quem ministra os cursos e workshops da LUME teatro, já percorreu o mundo e faz parte de uma geração de pioneiros que reviveram o trabalho de palhaços no Brasil. .

Para Puccetti, o trabalho de um ator é representar um papel, já o do palhaço é trabalhar com as próprias fragilidades das pessoas, fazendo com que elas se divirtam com tudo isso. E o palhaço se diverte muito com tudo isso. “Ele não representa, ele é. Isso é uma troca direta e imediata. É mágico. Fico extremamente feliz com o dia do palhaço, por ser uma profissão digna de homenagem como muitas outras”.

O curso é dividido em duas etapas, sendo a 1° uma etapa mais conceitual e de conhecimento do próprio corpo onde há um processo de iniciação cômica. Esta etapa é chamada de “O palhaço e o sentido cômico”, a 2° etapa do curso chamada de”A técnica do palhaço” é voltado para pessoas que já tenham vivência no trabalho de palhaço e aborda aperfeiçoamento técnico mais específico, e também conta com material bibliográfico e videográfico para ilustração das aulas.

Para o LUME o palhaço não é um personagem, mas a dilatação da ingenuidade e do ridículo de cada um de nós, revelando a comicidade contida em cada indivíduo. Portanto, todo palhaço é pessoal e único. No Lume os aspirantes a palhaço entram em contato com aspectos "ridículos e estúpidos" de sua pessoa, normalmente não expostos durante a vida cotidiana.

É um processo de iniciação que permite uma primeira vivência da utilização cômica do corpo, que é particular e diferente para cada um; a descoberta do ritmo (tempo) pessoal e um contato inicial com a lógica de cadapalhaço, ou seja, sua maneira de ação e reação frente ao mundo que o cerca. No programa do curso constam ainda noções de treinamento técnicopara o ator.

Mais Informações:LUME Teatro encontra-se à rua Carlos Diniz Leitão, 150
Vila Santa Isabel – Barão Geraldo - Campinas - SP. Fone:(19) 3289–9869 (19) 3289–9869
http://www.lumeteatro.com.br/

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